sábado, outubro 14, 2006

Viginti Tres (parte 4)


Mar-Hir abraçou-a numa infinita benevolência. Sentira-se tocado pela sensibilidade daquela criança tão nova e já lidava com as promiscuidades do karma.
- Felicito-te! És uma criança abençoada! - considerou colocando a mão sobre a cabeça da Rinkinen. - Estou certo que Mariah e Har-Meand irão rejubilar com a recepção desta tua primeira carta. – brincou no seu jeito mais paternal.
A memória do Pontífice era povoada por um número indeterminado de momentos como aquele. Momentos longínquos é certo, mas era aquela criança, nenhuma outra, que suscitava a leitura do memorial do seu passado. Jamais esqueceria o que se sente quando um pequeno ser nos chama de pai, pois já tinha tido um filho outrora. Nunca tinha sido avô. E agradava-lhe imenso tê-la como sua neta.
- E quanto a essas aves encantadoras a que chamamos gaeas… fica sabendo que são capazes de falar como se de uma pessoa se tratasse! – elucidou com ênfase.
De semblante boquiaberto, o Cisne Negro desejou ter uma gaea como companhia de forma a suprimir a solidão de que padecia.
Porém, na sua mais abreviada candura, reformulou o seu pensamento irreflectido. Jamais trocaria o amor pelos seus cisnes, mesmo que estes não proferissem palavras, por uma ave que falava por mais surpreendente que lhe pudesse parecer.
Pulou no seu modo tão distintivo imaginando-se um cisne a abrir as suas asas e a querer voar. Quantas vezes repetira os mesmos gestos e nunca conseguira aprender a voar?
- Ainda que… deixa-me dizer-te que tens alguns erros aqui, o que é perfeitamente normal. - interrompeu avassaladoramente o sonho espalhafatoso da criança. - Aliás surpreende-me o facto de serem tão poucos! – elogiou antes que fizesse um estrondoso burburinho acerca das suas falhas.
A Rinkinen quis saber onde tinha errado. Para além da sede de aprendizagem, herdava o perfeccionismo do seu pai. Tinha consciência que não dominava a pontuação, embora Asrae já lhe tivesse explicado.
Então, Mar-Hir corrigiu-a na sua voz mais pautada. Falou-lhe da questão dos acentos e dos sons que não tinha associado correctamente. Fez questão que pronunciasse verbalmente as palavras que se tinha equivocado para que lhe elucidasse quanto às sílabas referentes a esses sons, como fora o caso de “que-ro”, “jei-to” ou “ou-vis-te”.
- Diz-me pequeno Cisne... já és capaz de dizer anticonstitucionalmente? – desafiou com audácia.
- Anticonstitucionalmente. - repetiu magistralmente sem soletrar.
- Muito bem!
O Ancião cruzou os olhos com Asrae que ainda permanecia no topo das escadarias Viginti Tres. Numa comunicação telepática o Pontífice propôs-lhe que se retirasse para o cumprimento dos seus outros serviços. Além de ama do Cisne Negro, a Sacerdotisa dos cabelos claros dirigia um grupo de Iniciados e Acólitos no ensinamento da psicologia metafísica, que tem como base a origem e destino da alma.
- Acompanha-me num passeio. - sugeriu o avô harmoniosamente.
A criança seguiu-lhe os passos deliciada com a ideia de espairecer um pouco. Sempre era mais agradável do que estar fechada naquele silêncio templário quando lá fora a natureza sumptuosa e ruidosa chamava pelo seu nome.
Por outro lado assustava-lhe que, pelo caminho, alguém reparasse no seu cabelo curto. Era um suplício que atacava o seu espírito fragilizado. Para escapar ao constrangimento e à vergonha caminhava muito próximo do Pontífice tornando-se na sua sombra. Desse modo ninguém ousaria fazer troça de si.
Ultrapassaram um corredor onde estavam expostos frisos e baixos-relevos comemorando a arte medieval, os primórdios da Fundação daquela Tribo.
O grande clarão revelava que se encontravam no exterior. Eram ardentes os raios luminosos azuis transparentes emitidos pelo Grande Cristal, provenientes da Pirâmide de Cristal, bem no cume da montanha mais elevada de Atlântida.
Havia uma outra magnificência que se encontrava mesmo em frente. Era a estátua da Deusa Anfitrite de proporções descomunais, mais de duas dezenas de metros de altura, seguramente. Situava-se bem no centro daquela praça. Tal divindade fora esculpida para representar uma tranquilidade inabalável.
Nesse instante Mar-Hir confrontou-a com a seguinte pergunta:
- Estás a gostar de viver aqui? – averiguou querendo libertá-la dalguma inquietação que costumava estar patente na sua expressão.
- Às vezes sinto que são um pouco duros. Gostava de poder brincar com as outras crianças que aqui vivem. Raramente as vejo. – desabafou num suspiro. - O avô tem algum filho?
Entretanto um grupo de jovens iniciados passava-lhes pela direita a dez metros de distância tomando a direcção oposta. Impulsivamente o Cisne Negro acelerou o passo refugiando-se atrás de uma das pequenas estátuas de ninfas montadas sobre cavalos-marinhos.
- Tive um… - murmurou pensativamente sem se aperceber do súbito receio da Rinkinen.
- E onde está? O que lhe aconteceu…? – indagou sem ter a verdadeira noção do modo bastante informal com que lançara tais questões. Ninguém teria tal atrevimento perante Sua Santidade.
- Caiu…- respondera muito sucintamente desviando o olhar.
Chegaram até à extremidade daquela praça adjacente ao Templo e aí puderam apreciar a vista panorâmica do continente atlante, do mar Solahum, das ilhas mais próximas, do Monte Atlas, com a Venerada Sirtione, a Árvore da Vida, enraizada no seu cume, e bem lá no fundo os tons acinzentados das Montanhas Naavram. Aquele era, indubitavelmente, um ponto privilegiado de observação para toda a natureza envolvente.
O estrépito que se ouvia incessantemente provinha da enorme cascata denominada A Queda de um Anjo, a fronteira que dividia os reinos Rinkinen e Margrietus, com o Povo do Cristal estabelecido no coração de Atlântida, a cidadela de Poseídia, que culminava naquela Montanha da Luz.
Os quatro sinos da capela dos Anjos do Mar tocaram simultaneamente. Só nessa altura é que o tempo fora relembrado. Ambos voltaram a observar o topo da Grande Pirâmide. A luz prismática do Grande Cristal começara a diminuir comedidamente a sua exuberância. Era o começo do período do dia a que designavam A Luz Frouxa.
(Estejam atentos ao Próximo Capítulo: Delirium)

23 comentários:

Sara Martins disse...

Meu querido contador de histórias...

O teu Cisne é uma menina muito valente, mas tem medo das pessoas...
Será que teme que a magoem?????

Essa Luz Frouxa, a mesma que persiste dentro de cada um de nós, deve ser tratada com muito carinho, devemos amar o que de mais negro nos preenche, e a Luz voltará a raiar-nos nos olhos...

Por mais difícil que possa parecer, o Grande Cristal dentro de cada um de nós jamais pára de brilhar...

O teu pequeno Cisne sabe disso, e nós também, não é verdade???

Be brave, my beautiful one...

Beijo enorme do teu Anjinho devoto...

Luna disse...

A criança já tem um grande poder de evolução mas ainda não sabe transmutar a parte egoica,
beijos

Rosmaninho disse...

Contas histórias que apetece lê-las...
Em dias de Outono como este, faz bem fazer uma pausa e apreciá-las com mais atenção!

Estou atenta ao próximo capítulo.

~*um beijo*~

Luna disse...

A caminhada de cada um não é fácil... ninguém disse que seria...o nosso crescimento interior tem degraus dificeis de subir! às vezes subimos uns e deixamos outros para trás!
Mas mais cedo ou mais tarde temos de os subir, e a luzinha parece quase apagar... Que essa luz nunca se apague em ti!

Abraço Lunar

Sereia Azul* disse...

Que SAUDADES...QUE SAUDADES!!!

Vou agora embrenhar-me na essência das tuas palavras...eu sei que o resultado será de pura magia!

Lembras-te de mim,doce Luigi???

Uma sereiazinha perdida nas ondas da vida, mas que voltou à superficie e com um tímido sorriso na alma.

Uma brisa de mar no teu coração...

Sereia Azul*

kolm disse...

Existe sempre um mundo onde o ar é mais livre... basta levantar os braços no limite do sentimento e voar... (sorriso).

E vou estar atenta... para ler "Delirium"...

beijo encantado!!

A Professorinha disse...

O pequeno Cisne é um pouco tímido, não? Apesar de ser muito inteligente e ter muitas certezas... É mais ou menos como eu...bem, a parte do inteligente já é auto-elogiar-me... :P

Adorei, venha o próximo :) Mal posso esperar.

Beijos

Maresi@ disse...

Linda historia esta.... espero pela continuaçao eheheh

Grata pela tua visita...

beijo suave-__maresi@

delusions disse...

Estou a adorar a continuação da história. O cisne negro parece uma criança doce, meiga, porém precoce...São normalmente as crianças assim que crescem muito depressa...Estou ansiosa pelo próximo capítulo, já sou fã do pequeno cisne negro...

bjinhos*

estrela disse...

olá Luigi, tudo bem ctg??
no comentário que deixaste lá no blog, pareceu-me que não andas mto animado...espero ter tido uma impressaõ errada, e que esteja tudo ok ctg...mas se assim não for podes falar cmg, ok?
bjokas

Carla disse...

Olá
Apenas um beijo num dia que me é espeial...

Abssinto disse...

Luigi tens aqui um conceito interessantíssimo para blog. Gostei da atmosfera! Não conheço bem os Tool mas sei que são tremendamente originais, logo devem escapar ao meu rótulo de rock americano. Nao suporto essas bandas comerciais, que passam o tempo a dizer "yeah" a seguir a um solo estridente de guitarra. Se quero ouvir musica extrema tenho os cd´s de Morbid Angel e Slayer. Mas olha, gosto tambem desta musica em pano de fundo (parece Bjork)

Parabéns pelo espaço!
Abraço

luademim disse...

muito boas palavras, estimo muito suas visitas! e suas histórias entao, possuidoras de meu interesse ... ;)

bjos e tudo de bom pra vc..

vero disse...

És um querido... encontrei o meu amor, mas a distância vai separar-nos uns meses... e não estou a encontrar forças p conseguir suportar.....

* White Roses Princess* - Renata Silva disse...

vou ser sincera... n li td... mas adorei o que li..tanto fofo.. quando falas do cisne negro...ta lindo mesmo...



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* White Roses Princess*

Anónimo disse...

Olá Luigi
Passei pra ler a continuação de tua história e digo que esta a cada capitulo mais e mais emocionante...ansiosa para ler o próximo...Desejo uma linda noite e deixo bjos com tok de SEDA
Amei a música

Eli disse...

Olá!

Não tenho vindo... Ops... sorry... mas cá estou eu again!

:)

Isabel disse...

Sabes podes babar à vontade pois és mesmo um grande escritor.
Um grande escritor é mais do que alguem que escreve bem. É um grande homem ou uma grande mulher que escreve bem.
Tu és um grande escritor.
E tens este dom de en casa frase deixares pequenas/grandes lições de vida.

É um prazer e uma aprendizagem ler-te.

Muito obrigada.

Isabel

Pierrot disse...

NUma palavra Luigi
Bravo.
Desta vez registei acima de tudo a singularidade da foto que publicaste.
Eu tenho uma fixação por fotos aparentemente simples e que nada nos dizem...pois bem, para mim, esta é uma delas.
Abraço
Eugénio

WHITE ANGEL disse...

Adoro ler-te...
Publicaste algum livro ou vais publicar??
Coloca aqui a música que mais se adequar!!!!
Muitos beijos com carinhos...

Anónimo disse...

Grandes escritas,
Continua a dar-lhe,
Espera-se por uma publicaçãozita!

Anónimo disse...

Odeio isto..juro..esta situaçao deixa-me louka da vida...!

e se alguma vez tive desejo de saber voar esta e concerteza uma dessas vezes...abrir as minhas asas e voar pa bem longe..
adormecer nas areias kentes de um kualker lugar deserto...fikar ali indefinidamente apenas ouvindo o som do mar de aguas limpidas e sentindo uma brisa fresca acariciarme o corpo ansioso de paz e algum descanço..

e incrivel cm podemos estar rodeados de atençoes e de pessoas k nos kerem e mesmo assim sentirmo-nos miseravelmente sos e infelizes...incompletos...vazios...

sinto-me um verdadeiro cisne negro..

apesar da historia..esses anos da mh infancia devem ter sido dos mais felizes da minha vida...

crescer doi...mas é assim.. c'est la vie...

e o k mais me irrita e ter de aceitar as coisas e esperar...pk com o tempo td tem soluçao..eu sei k sim..eu espero k sim...

entretanto é conformar com a situaçao...esperar no silencio..na dor..na ansia de dias melhores..

perdoa-me o negativismo...mas...apesar de tudo ha esperança nas mh palavras...apenas me sinto revoltada com este nosso caminho..

fexa os olhos...inspira fundo...guarda as lagrimas...

pensa numa nova energia a apodera-se lentamente do teu corpo...da tua mente...

agora acredita...acredita na vida...acredita na felicidade por mais dificil k isso possa parecer...pk as vezes basta acreditar..

nao te afundes por favor..ja estas a cair e n sei cm segurar a tua mao..tenho tentado..embora n pareça..mas esta a xover e as maos estao escorregadias...preciso k acredites..preciso de sentir k ainda tens akela energia em ti..akela energia k te faz sorrir..rir...nascer um novo sol...akele k seca as maos e me faz puxarte pa cima..

*** Beijo leve como uma pena ***

disse...

Vim aqui parar...comecei a ler...e a tentar perceber...agora vou ficar por aqui...porque não consigo ir enquanto não acompanhar a história toda...até agora gosto do que leio...depois deixarei um comnetário com a minha opinião...mas primeiro terei que ler tudinho :)