sexta-feira, outubro 06, 2006

Viginti Tres (parte 3)


Mar-Hir despedira-se do Peregrino da Luz com quem tinha estado a conversar. Todavia aquele que envergava as vestes atribuídas a um acólito permanecera na sombra daquele que cuja túnica era constituída por partículas de brilho diáfano. Equivocavam-se aqueles que julgavam que tal fulgor provinha do seu traje. Pura ilusão! Provinha do seu corpo, da sua mente clara.
- E o que direi ao mensageiro da corte Rinkinen?
- Direis que amanhã receberão a minha visita. - respondera sem qualquer tipo de provocação ou pretensiosismo.
O Pontífice tinha a noção do perigo que representava a sua recusa quanto à solicitação do Rei Barvaatus em receber a visita do Cisne Negro. Aquela não era de todo altura indicada para importuná-la com visitas de etiqueta que, até tinham o seu cunho de aborrecimento para um bebé de dois anos.
Afastou-se do Acólito numa prolixidade flutuante até à escadaria Viginti Tres tentando travar a correria tresloucada daquela criança.
- Mais devagar… - advertiu receando que algum dia ainda viesse a cair daqueles degraus.
Era uma escadaria de sete metros de largura caracterizada pela sua simplicidade elegante. Cada andar do Templo era separado por um lance de vinte e três degraus.
Asrae encostava-se ao parapeito do primeiro andar, junto ao corrimão de mármore. Não fez menção em descer, limitou-se em observá-los com o devido respeito. Sabia perfeitamente que havia uma maior empatia entre os dois. E no entanto era a ama quem passava mais tempo com a Rinkinen. Era a Sacerdotisa quem lhe estava a ensinar a ler, a escrever, a contar e até a nadar.
O Pontífice tinha uma participação na sua educação um pouco mais distanciada. Era essa a sua intenção de modo a não exigir demasiado de uma criança. Esperaria pelo momento certo para lhe ensinar os princípios cristalinos.
O Ancião e a criança encontravam-se no grande salão suportado por várias colunas em capitel. Por cima das suas cabeças, um tecto oitavado que reflectia os movimentos radiosos do Grande Cristal ao longo do dia proporcionando um deslumbrante espectáculo de luz. As paredes eram compostas por azulejos com pinturas sublimes que retratavam capítulos da História daquele povo tão misterioso. O chão em que caminhavam resplandecia como se fosse feito de cristal. O Cisne Negro ainda se sentia eclipsada por tão intensa luminosidade.
- Avô! Avô! – arregalou os olhos. - Escrevi a minha primeira carta! - exclamou numa imensurável azáfama mostrando-lhe o papiro escrito com a sua peculiar caligrafia. - Podes lê-la? Vá lá!
- Quanta pressa meu pequeno cisne… - comentou num susto sorrateiro. – Leio pois, para gáudio deste velho que chegou tarde para assistir a tão iluminado momento.
A menina definiu um sorriso consolador. Não poderia censurá-lo nem tão pouco odiá-lo. Bastava-lhe a sua presença para fazer desaparecer a sensação de desamparo tão profundo que sentia naquele monte angelical.
As mãos idosas pegaram gentilmente no papiro. Achava engraçado o facto das linhas tortas lembrarem um pouco a forma curva das asas de um cisne. Numa voz afectuosa começou a decifrar aqueles rabiscos:

“Querida Mãe, Querido Pai
Sim sou eu, estou a escreve-los a minha primeira carta. Nao sei se tou a escrever bem. Expero apanhar o geito.
Tenho tantas saudads vosas mas inda bem que nao estao ca oje porque a minha querida Rae cortou-me o cabelo outa vez. É ela que está a ajudar-me a excrever.
Pai tenho desenhad sempre que poso. Hum dia vou desenhar como tu, vais ver.
Mãe tenho sido bem tratada, dexcansa, houviste? Nao kero que chores mais, por favor.
Uma gaea ira entregarvos esta carta. Nao sabia que os pasaros falavam. Porque é que os meus cisnes nao falam comigo?
Nao tenho geito para despedidas. Amo-vos.”

Cisne Negro

16 comentários:

a cada palavra disse...

Fico grata pela tua visita, e contente por tambem apreciares a escrita de uma grande mulher, rosa Lobato de Faria, agora comecei a ler outra obra dela , "o sétimo véu"
e estou a adorar....
estive a ler um pouco o teu texto, mas não consigo ainda decifrar talvez porque o tempo me seja pouco para tambem ler os anteriores a este.
beijos :) isa

Alberto Oliveira disse...

Com tempo há-de aprender a escrever sem erros. E a não se surpreender porque os pássaros falam e os cisnes negros nem por isso...

Venho o quarto capítulo.

Óptimo fim-de-semana!

Sara Martins disse...

Meu contador de histórias...
Parece-me que estes 23 degraus encerram em si pedaços de vida, muito para além do que possamos imaginar...

O teu cisne é adorável, e a sua capacidade de amar indiscutível! Ou não fosse ela uma criança, em toda a sua pureza e alegria...

Apesar da minha pontaria aos pinheiros, continuo a devorar com os olhitos tudo o que me permites ler, e viajo contigo pelas palavras...

Meu querido, tu vales ouro...

E o teu talento será reconhecido!!
Porque tem de ser...
Mereces tanto... (Tu sabes!!)

Loving kiss, from your devoted Angel...

Believe in yourself...

delusions disse...

gostei de mais este capítulo.todas as grandes aprendizagens levam tempo e a escrita é mais uma delas. :) um dia voará com as palavras como asas.

bjs*e bom fim-d-semana

* White Roses Princess* - Renata Silva disse...

lindo
criativo..
delicado
puro..


adorei...



*****************************

;)

A Professorinha disse...

A Carta está muito bem escrita e os erros nem são assim tantos para a idade :)

Gostei deste capítulo.

Beijos

Rosmaninho disse...

É com gosto que leio os teus textos!
Releio-os algumas vezes, volto atrás e digo-te...tens uma imaginação é muito fértil!
Sou paciente:):):) a história do Cisne Negro é fascinante.

~*Um beijo*~

Joker disse...

Hoje li, e fiquei sem palavras...!
Mas não quis sair sem deixar um enorme kiss!

Estrela do mar disse...

...gostei de ler a carta...tens muita imaginação!...


Besitos e tem uma boa semana.


E outra coisa...esta música é linda!!! Parabéns pela belíssima escolha.

Isabel disse...

Muito muito belo, e cheio de pequenos detalhes de encantar.
Estou muito contente que vás publicar. A tua escrita merece e todos nós temos a ganhar e aprender com o que escreves.
A beleza da tua escrita é delicada e reveladora de uma atenção especial aos segredos do mundo... ouviras tu as vozes do mundo oculto, e ditar-te-ão elas estes lindos textos. que importa, com vozes o sem a tua ligação ao mundo encantado é muito forte.

Obrigada pelas tuas visitas, eu é calro virei ler o proximo capitulo...

Isabel

Pierrot disse...

Fiz uma pausa nas leituras para poder ler tudo de enfiada e ainda bem que o fiz.
Tu és qualquer coisa amigo...
E quanto à carta da menina, está um mimo. A forma como escreve, o seu conteudo, estão perfeitos.
E acredita que os animais falam...
Abraços daqui
Eugénio

vero disse...

Por onde andas querido amigo?
Beijossss.........

estrela disse...

Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento, Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade. Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a pensada, Assim a mesma dita realidade existe, não o ser pensada. Assim tudo o que existe, simplesmente existe.

Joker disse...

E se eu deixasse...

Um grande Beijo?????

Hum?

Anónimo disse...

nunca tenho palavras para comentar a intensidade do que escreves.
beijos

Vanda disse...

Nunca digas adeus a quem amas...


Beijo e bom fim de semana!

Van